Especial Crise Energética, da Agência Ambiente Energia - O risco do País passar por um racionamento de energia, por conta do baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas, já é admitido até pelo governo. Diante dessa situação de insegurança, um questionamento se mostra inevitável: por que o Brasil não dispõe de outras fontes também renováveis que pudessem suprir as necessidades dos consumidores num momento de escassez de água? Especialistas ouvidos pelo Ambiente Energia acreditam que o motivo principal pela falta de diversificação da matriz energética foi o fato do planejamento do setor ter subestimado o potencial da luz solar e da força dos ventos. Esses tipos de geração foram considerados caros no passado, mas, como em toda nova tecnologia, a redução de preço é questão de tempo. Sua viabilidade econômica vem sendo cada vez mais comprovada com a queda no custo de produção e dos equipamentos. A relutância em lidar com uma geração mais distribuída, de acordo com estudiosos, foi outro fator que levou os operadores do sistema a desprezarem essas alternativas.
Jurandir Picanço, consultor da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) e ex-presidente da Coelce, disse que quando ajudou a implantar os primeiros parques eólicos do estado nordestino, no fim da década de 1990, muitos viam as torres como excentricidades. Como estão fincadas sobre dunas de areia, próximas a Fortaleza, viraram até atrações turísticas. Hoje, a força dos ventos gera energia em diversos pontos do Brasil e já é responsável por cerca de 4% da produção brasileira. Percentual ainda tímido, segundo ele, diante do potencial do território. Para o consultor, deveria haver logo de início uma revisão do planejamento do sistema energético. Um exemplo da desatualização está na característica dos equipamentos disponíveis. Há cerca de dez anos, predominavam torres de 45 metros de altura, o que favoreceu sua instalação no litoral. Atualmente estão disponíveis equipamentos mais altos (100 metros de altura), abrindo maiores possibilidades no interior, ainda pouco estudadas. “A energia eólica precisa deixar de ser vista como uma solução complementar. Poderíamos hoje ter uma capacidade instalada três vezes maior e, com isso, não estaríamos passando por essa crise”, afirma o consultor.
Diversos países já compreenderam que a energia eólica pode ser de fato uma fonte robusta para suprir sua demanda. É o caso da Espanha, por exemplo, que retira dos ventos mais de 20% da energia que consome e sua geração por hélices não para de bater recordes. A Alemanha também é uma referência em termos de uso de recursos renováveis. A maior potência industrial europeia já supre em torno de 9% de suas necessidades energéticas com as usinas eólicas e vem investindo fortemente também na geração através da luz do sol. A energia solar atende entre 5% a 6% do consumo germânico. Mesmo com atraso em relação a esses países, o Brasil tende a mudar seu quadro nos próximos anos. Um sinal disso são os leilões exclusivos para essas fontes alternativas. Em agosto, haverá um novo leilão para contratação de energia solar. Para novembro, foi marcado uma nova oferta de reserva tanto para geração fotovoltaica, quanto eólica.
A Superintendência de Pesquisa e Desenvolvimento da Aneel informou que do projeto de pesquisa e desenvolvimento lançado em 2011 para energia solar, sete plantas já foram concluídas. São elas: Tanquinho (Campinas-SP), Cidade Azul (Tubarão-SC), Arena Pernambuco (São Lourenço da Mata-PE), Tauá (Ceará), Megawatt Solar (Florianópolis-SC), USP (São Paulo-SP) e Usina do Gasômetro (Porto Alegre-RS). Outras cinco estariam em conclusão. Para Jurandir Picanço, a expansão dessa fonte vai passar tanto pela construção de novas usinas, quanto pela microgeração, através da instalação de painéis nos telhados das casas. O retorno para o morador, segundo ele, vem entre 5 e 7 anos. O investimento inicial alto poderia, entretanto, ser suavizado com subsídios e linhas de financiamento a juros mais baixos. “Com os aumentos previstos nas tarifas, vejo que muita gente está se mexendo à procura dessa alternativa”, conta o consultor.
Amaro Pereria, pesquisador do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, salienta que a intermitência dos ventos foi outra alegação usada no passado para se menosprezar esse recurso. Na balança, não foi levado em consideração o fato das chuvas também não serem constantes. Mesmo para as termelétricas, é preciso considerar as paradas necessárias para manutenção, além de se levar em conta o impacto ambiental elevado. Segundo ele, há maior predominância de ventos nos períodos secos, o que fortalece a necessidade de expansão da energia eólica para compensar as limitações das hidrelétricas. “A crise hidrológica pode se tornar persistente. Temos que nos planejar para o futuro”, afirma Pereira.
O pesquisador da Coppe considera que já foi um avanço significativo a entrada em vigor da Resolução Normativa 482/2012, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que introduziu o sistema de compensação para micro e minigeradores. Ou seja: quem produz sua própria energia ganha créditos que são abatidos na conta de luz. Segundo a Aneel, já há cerca de 320 pontos de instalações fotovoltaicas que se beneficiam da regra em todo o País. Outros consumidores de baixa tensão adotaram o mesmo mecanismo, mas utilizam pequenas turbinas eólicas em suas propriedades. É o caso de 16 empresas no Ceará e duas no Rio Grande do Norte. Daniel Vieira, especialista em regulação da Aneel, disse que “por se tratar de regras relativamente novas, a implementação de sistemas de micro e minigeração ainda está em seu início”. Ele avalia que o número de consumidores que optam por instalar esse tipo de geração tem crescido rapidamente. De acordo com ele, ainda neste semestre será instaurada uma audiência pública para se avaliar como a resolução tem sido aplicada. Portanto, é hora da sociedade participar das decisões.
O Poder Público dá mesmo sinais de que não está surdo em relação às críticas. O próprio ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, garantiu no dia 4 de março na Câmara dos Deputados que painéis fotovoltaicos ganharão isenção de PIS e Confins ainda este ano. Novas regras de cobrança de ICMS sobre a energia solar devem ser adotadas pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). A pedido do governo federal, o órgão estuda mudar a base de cálculo do imposto, que passaria a incidir somente sobre a diferença entre a energia fornecida pelo sistema e a devolvida a partir da geração local, reduzindo a conta do consumidor. Caso as medidas venham a ser postas em vigor realmente, podem impulsionar não só a microgeração como as usinas de painéis solares. O advogado Luiz Gustavo Bezerra, do escritório Motta, Fernandes Rocha Advogados e professor da FGV Direito Rio, explica que quem pretende instalar painéis fotovoltaicos em casa e receber sua compensação deve procurar sua respectiva distribuidora de energia para tratar das regras. Segundo ele, nem sempre é fácil entender os mecanismos financeiros de abatimento, por conta das complexas questões tributárias. Os cálculos variam de acordo com cada região, mas as empresas concessionárias estariam interessadas em diminuir a burocracia. De acordo com ele, empresas podem procurar abater o resultado de sua microgeração de um imóvel em outra conta com o mesmo CNPJ. Portanto, as facilidades estão aumentando e em alguns anos a produção de energia renovável, segura e bem distribuída, pode deixar de ser apenas uma cobrança dos estudiosos.
Acompanhe aqui a próxima reportagem da série Crise Energética: soluções para geração, segurança e eficiência, do Ambiente Energia que abordará as vantagens da Cogeração. O instrumento é vantajoso para as empresas e pode aliviar o Sistema Integrado Nacional.
Fonte: Ambiente Energia
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